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Biblioteca digital | Mini-contos

Rodrigo Daiello

Adeus, Dinamarca! Oi, Caribe!!!

Há momentos na vida em que não se sabe o rumo a ser tomado, é o verdadeiro momento do "e agora?" A vida fica com a sensação que tudo gira e tudo está girando! Dá um gosto mareado na boca, uma verdadeira roda-viva.

     Para resolver uma situação dessas, é necessário tomar uma certa distância, por isso fui viajar para acalmar a mente e o coração. Dentro desta proposta, lá estava eu de férias pelas magnificas ilhas do Caribe quando saio à noite e me deparo com um clube noturno. Como bom turista curioso que sou, resolvo entrar no estabelecimento: chamado

​

To be, or not to be.

 

     Primeiramente, achei engraçado o nome do club justamente por remeter à frase mais famosa de Shakespeare, e, segundo, porque tive a curiosidade de saber o que eu faria em lá estando.

     O club em si era muito requintado "finíssimo do último", a melhor decoração, bebidas e go-go boys and girls dançando. A festa estava animadíssima e o DJ tocava progresive house e deep house, música eletrônica sem parar - aquilo que a minha mãe chama de bate-estaca. 

     Estava em uma super vibe, tudo me agradando, melhor impossível.

     Entrei no clima, dancei muito, pois adoro este tipo de música, a batida por si só é empolgante e

hipnotizante. Experiência transcendental. Perguntei ao barman quem era Dj. que tinha me impressionado muito. Talvez, em outra oportunidade, o contrataria para fazer uma festa.

     Quando me responderam que era Hamlet, achei peculiar - quem em sã consciência daria ao próprio filho o nome de um personagem lazarento, louco e atormentado? Mas se há pessoas que colocam em seus filhos os nomes de Hitler ou Mussolini, quem sou eu para julgar?

     Graças a Deus, meus pais deram-me um nome comum, talvez por isso eu seja um indivíduo comum.

     Desliguei-me do assunto e continuei a me divertir no club.

     Lá pelas cinco horas, após muita diversão e bebida, e como a festa estava acabando, voltei para o hotel, ou melhor, os seguranças estavam me enxotando do lugar.

     Depois de tamanha festança, a ressaca bateu forte como um tsunami - eita coisa ruim!

     Bom, em Roma como os romanos, e no Caribe, ir à praia curar as moléstias, principalmente as alcoólicas.

     Sol, areia branca, mar azul, suco detox, relax total e pronto nova vida, vida nova! Nada de música eletrônica, só reggae raiz, calminho, calminho: tudo de bom!

     Nesse clima, quieto paradinho, me encontrava quando eu vi o Dj da boate, vestindo short, camisa estilo havaiano, sua barba longa e cabelos pretos um sorriso largo, a pele bronzeada do sol e

aquele sorriso feliz, mais largo e branco do que comercial de pasta de dente. E, para completar,

ensaiava uns passos de salsa em plena praia. Que figura!

     Decidi sair da minha inércia praiana e fui falar com ele sobre as músicas, que ele tocou na festa.

     Depois algum tempo, descobri que o nome dele era realmente Hamlet, que o barman não tinha me engando nem nada. Minha mente não tinha entendido e por isso fiquei repetindo mentalmente na minha cabeça seria ele realmente o Hamlet de Shakespeare? Aquele personagem famoso que só andava de preto, eternamente torturado por sua consciência, por sua percepção de ser e de estar no mundo? 

     Pasmem leitores, primeiramente, pensei que eu estava ainda sob efeito alcoólico, que a ressaca não tinha passado: ou alguém tinha batizado minha bebida de forma muito braba, ou algum invejoso tinha feito um trabalho forte. - Sarava, meu Pai!

     Pois algo ali não estava normal, já vi e ouvi muita coisa louca neste mundo.

     A outra explicação possível seria ele ter algum transtorno mental, pois - quem diria! -, Hamlet o personagem de Shakespeare ali naquela situação!

     Mas, se realmente fosse, o que estaria fazendo justo em uma ilha do Caribe? Isso era demais para mim, que insanidade era aquela?

     Bom sentamos em um bar à beira da praia, antes de continuarmos a conversar, tomamos umas bebidas e comemos uns petiscos, descontraímos, contei porque eu estava ali, rimos.. Dá para acreditar que ele riu? Tirei uma foto e postei no Facebook. Ele disse que tinha um e até me adicionou - tonteei!

     Agradável e descontraído, aos poucos fui entendendo o que estava acontecendo. Nosso

interlocutor foi contando mais sobre sua vida, sobre o que ocorrera desde a Dinamarca, quanto fora atormentado pela promessa que fizera ao fantasma de seu pai. Sua real situação como príncipe herdeiro também não andava bem, pois seu tio, o novo rei, não gostava daquilo porque sentia-se ameaçado. Tudo isso o atormentava, não tinha descanso, a vigilância sobre ele era forte, fingiu-se de louco para conseguir sobreviver a tal tormento. Não bastando isso, seu tio, que já tinha matado o pai de Hamlet, ordenara que também matassem o filho. A rainha, sua mãe, era conivente com a situação, seja com a morte do ex-marido, seja com a situação do filho, afinal ela continuou como rainha e casou-se com o novo rei.

     Dentro dessa realidade, a percepção de Hamlet sobre a podridão do seu reino e das pessoas que lá viviam, o levou a sentir que havia “algo de podre no reino da Dinamarca”. Além disso, acreditava que pouco ou nada podia fazer.

     Considerando tudo isso, Hamlet se perguntava: to be or not to be - essa frase rondava sua mente atormentando–o, aprisionando-o em sua dor, em sua consciência, em sua loucura interna.

     Sem parar, tinha sensação de que o mundo girava, a roda-viva girava, a roda da fortuna rodava, enfim, sofria o desgaste de não saber o que fazer em relação àquela situação. Para complicar a história, ele estava secreta e perdidamente apaixonado por Ofélia, mas nada podia fazer: to do or not to do, that was his second question!.

     Após muitos meses de tortura mental e indecisão, foi em um dia de grande nevasca na Dinamarca que ele encontrou um médico e expôs o que estava vivendo. O médico simplesmente lhe perguntou:

     - Queres ter razão ou ser feliz?

     - Ser feliz é claro! Quem não quer a felicidade?

     -Àqueles que só são felizes quando tem razão, ou são felizes na sua própria miséria! Às vezes temos que renunciar ao inferno para ir ao céu. Simples assim.

     A dita conversa, tudo que o médico dissera, penetrou no inconsciente de nosso amigo e o fez meditar durante meses nas profundas verdades e em como poderia resolver o problema. Enquanto estivesse naquele redemoinho, nada podia ser feito. Acreditava que melhor solução para todos seria ele morrer, afinal, muitos queriam isso, apesar de que poucos dissessem abertamente, mas Hamlet sentia isso. Nosso herói, em sua perspicácia, observava os dias passando e tudo na mesma. Enfim, cansou-se daquela situação e só queria decidir-se por sua felicidade - para o nosso herói, isso era o principal e faria tudo para conquistá-la! Logo, ele arquitetou um plano, um engenhoso plano: fingir sua própria morte faria a todos felizes, enquanto ele sairia de uma situação tão incomoda. Teve a ideia após saber sobre o que acontecera com Romeu e Julieta, só que com ele seria diferente. O problema era convencer o autor da sua história a executar o seu plano. Se o seu autor o fizera assim atormentado, ele, Hamlet, também saberia como atormentar um autor: no inconsciente de Shakespeare ele trabalhava, sugestionado a cada segundo: mata-me na peça, liberta-me, ou eu

não te deixarei dormir ou realizar outro trabalho. Sem perceber, Shakespeare cedeu.

     - A cena final da peça, não passou de total e completa enganação, séculos e séculos de enganação! Primeiro minha, quando eu enganei meu autor para fugir de lá. rumo à felicidade que me aguardava! Dias melhores viriam para o Caribe! Com a diferença que, desta vez, não haveria morte real do personagem ao final, e sim uma fuga bem engendrada e disfarçada, ao lado da amada Ofélia, com destino ao Caribe. Sobre minha curiosidade a respeito do porquê do caribe, ele respondeu:

     - Praia, mar, sol, calor! Bastava daquele clima da Dinamarca, eu queria sim uma mudança de vida, recomeçar em um lugar mais tranquilo onde eu seria apenas o Hamlet, nada de pertencer à realeza! Felicidade, amor e paz. No navio, antes de chegar, perto da costa, eu já via as pessoas sorrindo, andando tranquilamente! Honestamente, chorei de felicidade, enquanto no rádio do navio tocavam os versos de Guantalamera:

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Yo soy un hombre sincero

De donde crece la palma

Y antes de morir yo quiero

Echar mis versos del alma.

​

     Ele confessou que, naquela hora, sem se importar com nada, chorou como uma criança recém-nascida, a altos brados, porque, finalmente, tinha chegado ao seu verdadeiro lar, mais do que em uma simples casa, sentia uma calidez na alma que nunca sentira. Possuir um lar é um sentimento muito profundo!.

     Logo após essa confissão, percebi que, ao longe, aproximava-se uma mulher vistosa, de biquíni azul, cabelos ao vento, com uma criança no colo e outra segurando sua mão, sorriso largo, franco, passos firmes e decididos  Adivinhem quem era? Ofélia! Ao chegar, cumprimentou-me brevemente, sorriu para Hamlet, beijou-o com intimidade e seguiu caminhando.

     Ele olhou para mim com uma cara de estar certo sobre sua decisão, sobre vir ao caribe, e, antes de se despedir, disse de forma um tanto teatral:

     -Desculpem-me os estudiosos, os filósofos e os críticos literários, mas, embora eu seja simplesmente um personagem, tenho o direito de ser feliz! Aqui, apagaremos as luzes e baixaremos as cortinas da história da minha vida o resto é só silêncio!

​

Eu não sei se foi o efeito da ressaca ou se ele tinha realmente simpatizado muito comigo, mas fiquei muito agradecido por ele ter me contado tantas coisas íntimas. Se pensarmos profundamente, essa é uma história no mínimo mirabolante, mas a vida, não é assim? Cheia de verdades inacreditáveis, e de mentiras críveis? O que fazer ou não fazer? Viver a vida da melhor forma que se pode!

     Beijos e tchau!

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Tequila!!!

     Einstein era um gênio, dizer isso é como chover no molhado, sem grande efeito, pois é de conhecimento geral, mas a sua teoria da relatividade, apesar de nem todos a conhecerem, tem fortes efeitos na vida cotidiana já que relativizou conceitos antes tidos como certos. Tomemos como exemplo o conceito de indecência, ou melhor, de proposta indecente. Com a relatividade, o que é indecente para um, pode não ser para outro! 
     Tendo dito isto, quando estava na faculdade, fui convidado para um almoço – nada indecente! E apesar de ter carro, fui de ônibus, pois não pretendia voltar para casa tão cedo! Imagens felizes passavam pela minha cabeça! Na faculdade somos muito esperançosos, bem mais do que deveríamos, mas, naquele momento, só me preocupava com o almoço, pois fora convidado, e, para mim, era o máximo ter sido convidado por uma mulher, era um bom sinal. Viva a pós- modernidade que permitia esse tipo de situação!
     Bom, chegando ao endereço, fui cumprimentando a moça e já fui entrando lugar. Era uma quitinete bem apertada, se alguém se sentasse na cozinha, via a cama, da cama se via o banheiro, mas o tamanho do lugar era o que menos importava, já que, a companhia era tudo e a esperança esta estava presente. 
     Estava tocando uma música dos anos cinqüenta - Tequila. Lembro-me bem dessa música! Além do mais, havia muitas garrafas de tequila, e estávamos bebendo-as enquanto o almoço não ficava pronto, o que deixava o ambiente alegre, muito alegre por sinal. No México se diz: 
     - Quando se acaba uma “botellla de tequilla se pide otra y más otra!
     Deixei rolar porque fiz o seguinte cálculo: bebida, comida, música, LOGO SEREI A SOBREMESA! QUE DELÍCIA! NUNCA FORA SOBREMESA ASSIM ANTES!
     Após algum tempo de música, conversa, tequila e pouca comida, pensei que já era hora da SOBREMESA! Fui devagarzinho tentando mostrar as múltiplas possibilidades de se comer uma sobremesa. Era aquela “tentadinha” básica para tornar um não em “talvez, quem sabe”! Mas a moça nada de se mostrar interessada na sobremesa.
     Conversa vai, conversa vem, e apenas uns beijinhos mornos, nada do negócio avançar. Ela começou a dizer que gostaria que eu dormisse lá, pois estava ficando tarde e nós ficando bêbados, portanto, assim seria melhor. 
     A animação aumentou do meu lado, e o “termômetro masculino” aos poucos começou a subir! Logo, a temperatura poderia ficar mais quente que o sol, e eu daria aquele tiro certeiro com a minha arma. Era o que eu estava

pensando, mas ela refez a “proposta” explicando que era de família conservadora de uma certa igreja tradicional e concluiu dizendo:

     - Só casando! 

     Gelei, estava bêbado, mas não tanto! Pensei em como puxar o meu carro dali o mais rápido possível. O que ela estava pensando? Que eu tinha quinze anos? Aquela era a proposta mais indecente que eu ouvira até então. Vou te contar, xô, essas mulheres micro-ondas só aquecem a comida, mas não finalizam o serviço. Sinceramente, que porcaria de proposta era aquela? Nem pensei muito e fui desconversando, dizendo que ela não entendia meus sentimentos por ela, de sermos apenas bons amigos. Fui saindo aos poucos da situação e da quitinete.

     Depois de tudo resolvido, meus leitores amigos, saí pela rua, naquele estado já descrito! Não me encontrava nada feliz com aquela situação, pois o calor provocado não passara. Tinha que resolver minha situação! Procurei então um night club para homens adultos. Lá chegando, vi muitas mulheres bonitas e atraentes. Bebi ainda mais tequila, porque parte do efeito das anteriores já tinha passado. Interessei-me por uma trabalhadora da casa, de cabelos longos e de atributos fartos! Abordei-a e perguntei se estava disponível. Ela disse que sim, e começamos a conversar sobre vários assuntos interessantes. O interesse mútuo aumentou e fomos para um lugar reservado para tratar de assuntos mais privados. As coisas iam bem, muito bem, às mil maravilhas, ela começou a se insinuar, e eu também, até dançamos juntos.

     Consciente de onde me encontrava, gostei daquele “atendimento ao cliente”. Ela pediu champanhe e bebemos mais um pouco. Depois, com a finalidade de encerrar as conversas e começar os finalmentes, fomos para um quarto dentro do club. Lá, estávamos nos preparando, quando ela informou o valor do serviço. Suei, tremi, engoli em seco e disse baixinho, com cara de cachorro pidão:

      - Moça, só tenho quinze reais, dá para ser?

      A resposta não demorou dois segundos.     - O quê? Seu arrombado, filho da puta! Fica me arretando, prometendo rios de dinheiro, e, no fim, dá uma de micro-ondas, dizendo que só tem quinze reais? Vai se foder! Sou mulher da noite, mas sou honesta! Vamos se respeitar!

     Depois disso, só vi os seguranças do lugar, literalmente descendo o braço em mim, ou seja, a porrada comeu solta, e eu apanhei tanto, mas tanto, que até hoje não tenho ideia de como eu saí vivo de lá.

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      Moral da história: cada um faz e recebe a proposta indecente que merece!

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